Monday, April 28, 2008

A modinha e o Triste Fim de Policarpo Quaresma.

Introdução:

A modinha é a maior expressão musical genuinamente brasileira. Isso é a conclusão que vários estudiosos da musica brasileira chegaram ao estudarem profundamente a modinha entre outros vários gêneros musicais. Podemos incluir entre os estudiosos o personagem da grande obra do escritor pré-modernista Lima Barreto, tal personagem é Policarpo Quaresma.

Em “Triste fim de Policarpo Quaresma” Lima Barreto conta a história de um ultranacionalista, ufanista, o major Quaresma que por seu sentimento de amor total pelo Brasil entra no exército para lutar pelo país, mas por suas limitações físicas não consegue o que quer, mas mesmo assim presta serviços à pátria fazendo serviços burocráticos no exército. Estudando mais a fundo a identidade brasileira, Quaresma chega à conclusão que a língua portuguesa não é genuinamente brasileira, mas sim o tupi, dessa maneira, manda para o congresso um requerimento para aprovar o tupi como a língua oficial brasileira no lugar do português que só demonstra a intervenção do europeu no território e na cultura nacional. Por tal fato entre tantos outros, Policarpo Quaresma é visto como louco, indo assim várias vezes para o hospício, sendo rejeitado na rua e também no exército.

Em um de seus vários estudos sobre a nação, Quaresma estuda as manifestações artísticas e chega à conclusão de que a modinha é a principal expressão artística nacional. Com isso ele chama Ricardo Coração dos Outros para lhe ensinar a tocar violão para que possa assim ter um contato maior com a modinha e, dessa maneira, com seu país.

Ora, quando Coração dos Outros começou a freqüentar a casa de Quaresma começou um cochicho na rua, as pessoas se perguntavam como que uma pessoa tão séria e estudiosa como o major Policarpo estava se envolvendo com coisas do tipo. Essa coisa de tocar violão, de modinha era pra gente de baixa categoria. A preocupação com a arte atrelada a todo o nacionalismo exagerado vai até a morte de Quaresma.

Lima Barreto, em sua obra, bate muito nessa tecla do nacionalismo exagerado e retórico existente no Brasil no século XIX, e usa a ironia para falar dessas mazelas, e é lógico que a modinha se inclui nessa história toda, a história de um país que às vezes tem convicção, mas em outras sofre ao falar de sua identidade. Falemos então da modinha em si e sua relação com o país, partindo depois para considerações finais em relação ao meio social brasileiro.

A modinha na moda no Brasil:

A modinha é considerada o primeiro gênero musical da musica popular brasileira. Por volta do século XVII, já se ouvia pelas ruas da Bahia uma música tocada na viola com marcação staccato que tinha letra de caráter pagão. Os autores e literatos portugueses tomaram conhecimento do novo gênero em Lisboa pela segunda metade do século XIX.

Quando por Volta de 1775, vários historiadores mencionam a presença nos palácios de diversas cidades portuguesas, a presença de um brasileiro que ao som da viola de arame cantava modinhas e lundus, essa cantor era Domingos Caldas Barbosa, ele era um mulato filho de Português com uma angolana nascido no Rio de Janeiro por volta de 1739 e falecido em Lisboa em 1800. (TINHORÃO, 1974)

Domingos caldas aparece em Lisboa cantando e acompanhando a viola, o que mais choca os europeus da corte da Rainha D.Maria I é exatamente o tom direto e desenvolto com que o trovador se dirigia ás mulheres, e a malícia dos estribilhos com que rematava os versos.

Domingos Caldas é fundamental para se entender a trajetória da modinha, porque ele foi o grande divulgador tanto da modinha como do lundu na corte portuguesa, esses gêneros são considerados os pilares mestres sob os quais se ergueu todo o arcabouço da música popular brasileira, segundo Mozart de Araújo. Tais considerações levaram à intermináveis debates envolvendo a possível comprovação da origem portuguesa brasileira de modinha e por decorrência geraram questões, relativas a proveniência erudita ou popular do gênero.

O mais antigo documento sobre Caldas Barbosa e o aparecimento da própria modinha, os manuscritos do português Antônio Ribeiro dos Santos, de fins do século XVIII, revelam que a grande novidade do tipo de música lançada em Lisboa pelo mulato brasileiro era o rompimento declarado não apenas com as formas antigas de canção, mas com o próprio quadro moral das elites, representado pelas mensagens dos velhos gêneros, como as cantilhenas guerreiras, que inspiravam animo e valor.

A modinha causava frison nas pessoas pelo seu tom sensual, essas cantigas amorosas dos suspiros, de requebros, de namoros refinados, de garridices, cujo surgimento na colônia se explicava pelas menores restrições morais existentes longe do atuante sistema de censura da metrópole, tinham começado a fazer sucesso em Lisboa, isso indicava que tais canções vinham atender as novas condições da vida cortesã.

Entre os séculos XVIII e XIX os saraus foram praticados pelas elites, esses saraus eram formas de lazer, e, por conseguinte de divulgação da música cultivada pela classe média em sua vida cotidiana. Era local onde músicos amadores e profissionais podiam se emanar, tocando e cantando as suas peças preferidas. Era também a oportunidade de moças das finas famílias exibirem seus dotes ao piano, ou sua encantadora voz, acompanhado pela delicadeza do dedilhado na guitarra (Nery1994).

Portanto o gosto pela música parece constante na cultura dos europeus vindos para o Brasil. O negro por sua vez, mesmo em condições subumanas sempre cultivou o gosto pela música, seja em sua forma ritualística ou como divertimento.

Em meados do século XVIII, ainda que altamente europeizada, a colônia vai construído o seu próprio caminho musical à medida que as vilas se desenvolviam. É nesse ambiente e condições sociais que nos últimos anos do século XVIII, surge à modinha, um tipo especial de canção que será cultivada tanto em Portugal quanto no Brasil. Esta designa um tipo de canção lírica, singela e de duração reduzida, composta para uma ou duas vozes acompanhadas por guitarra e teclado. Cultivado inicialmente pelas classes mais abastadas, aos poços, vai se popularizando até tornar-se pouco a pouco, um veiculo de expressividade musical, tanto portuguesa como brasileira.

As discussões pela definição da paternidade da modinha parecem infrutíferas já que, a despeito da sua origem e seu surgimento vai adotada pelas duas pátrias como filha legítima. Porém a origem da modinha esta relacionada com a moda portuguesa, sua antecessora, que designava qualquer tipo de canção que era praticada nos salões de Lisboa pelas classes mais favorecidas. No Brasil a palavra moda assume duas acepções diferentes, primeiro qualquer tipo de canção como em Portugal, e a moda de viola.

No final dos setecentos, literatos e cronistas portugueses diferenciam a modinha portuguesa da brasileira e a atribuíam a estão características próprias advinhas da colônia, no caso, o Brasil. O pesquisador português Manuel de Morais descreve algumas delas: Melodia ondulante cromatismo, melódicos e acompanhamento singelo, melodias entrecortadas e compostas de motivos sincopados, abuso de cadencias femininas, mas sempre primado de delicadeza.

Desde que Mario de Andrade escreveu em 1930 no prefácio da sua coleta modinhas imperiais que a proveniência erudita européia das modinhas é incontestável. Essa conclusão passou a ser aceita e repetida sem qualquer reexame. Basta que se conheça um pouco da vida de Domingos Caldas Barbosa cujo nome se liga ao aparecimento da modinha em Portugal para que se revele tal improbidade.

O que ia acontecer com a modinha, a partir dos últimos anos do século XVIII, até a segunda metade do século seguinte, era o fato de que, passando a interessar aos músicos da escola, o novo gênero acabaria realmente se transformando em canção camerística tipicamente de salão, precisando aguardar depois o advento das serenatas á luza de lampiões de rua, nos últimos anos do século XIX, para então retornar a tradição de gênero popular, pelas mãos dos mestiços tocadores de violão. A modinha, embora, a destinar a historiografia musical da época apontada sempre como música clássica, continuava a ser cultivada anonimamente por cantores e músicos de rua.

Tal como no Rio de Janeiro, à volta da modinha às raízes populares ia ser conseguido na Bahia pelo trabalho às vezes paralelo, ás vezes conjunto, de intelectuais e trovadores de violão de rua, unidos de qualquer forma pelo denominador comum do espírito boêmio. A figura do compositor completo, cuja ação estendendo-se da Bahia ao Rio de Janeiro, e cuja criação aliando a popular parceria intelectual com Arthur de Azevedo, resumiria toda a trajetória da modinha do plano erudito ao violão do povo. Tratava-se do ator, cantor e violonista Xisto Bahia.

Quando por volta de 1860, o jovem boêmio baiano de voz abaritonada Xisto Bahia começa a se tornar conhecido entre os cantores de serenata, a modinha já circulava nos meios populares na voz daqueles seresteiros, o que ostensivamente se fechavam às portas.

No caso de Xisto Bahia, entretanto a importância de cantor e compositor residia de que, sendo pela a origem um tocador de violão tão popular quanto desses pretos e mestiços que tocam violas, a sua decidida vocação de ator ia levá-lo a atuar no âmbito da classe média, servindo de perfeito intermediário entre literatos compositores da primeira metade do século XIX, e aqueles cantores de rua.

Embora a literatura seja muito escassa quanto ao que se refere à modinha popular, a maioria dos depoimentos existentes coincide no reconhecimento dessa importância do ator e compositor Xisto Bahia. Isso quer dizer que apesar da condição de representante das camadas mais baixas do povo, Xisto Bahia, conseguia superar com a força da sua personalidade a marca de classe, impressionado as camadas médias e a própria elite, com a beleza da música e da dignidade que impressionava a interpretação das suas modinhas.

O fato de Xisto Bahia ter transito entre os intelectuais, depois a parceria como maranhense Arthur de Azevedo tornado co-autor da comédia em um ato uma véspera de reis, ia fazer com que vários poetas se designassem a escrever versos especialmente para serem por ele transformados em modinhas.

A modinha de música composta por tocadores de violão do povo, com letra escrita por poetas de melhor nível literário, espalhou-se pelas camadas mais humildes em fins do século XIX, e início do século XX, na voz dos boêmios e seresteiros, o romantismo dos seus versos sofreu um processo de adaptação cultural que faria tal gênero de canção merecer mais que nunca uma classificação popular.

Durante o século XIX, a modinha e lundu, já autônomos em suas manifestações musicais, tornam-se verdadeiros meios da expressividade musical tanto popular como erudita. Finalizando, não obstante a origem aristocrática da modinha, praticada inicialmente, nos salões cortesãos e nas casas dos senhores mais abastados, aos poucos e numa convivência nem sempre tranqüila, foi observando características musicais e poéticas manifestações adivinhas das classes econômicas menos privilegiadas, irmanando-se ao parceiro inseparável lundu ainda que nesse rumo, a aceitação de ambos se folclorizaram-se.

A importância da modinha para cultura nacional é que apesar de ela ter surgido no meio erudito foi se incorporando as classes populares, foi se popularizando e por ser pioneiro foi influenciando os outros gêneros musicais, como o lundu e depois o samba, e criando conseqüentemente uma musica que fosse originalmente brasileira.

A modinha e a “geléia geral brasileira”:

Começamos agora com um trecho de uma musica do movimento musical brasileiro que revolucionou a musica brasileira nos anos 60:

Um poeta desfolha a bandeira

E a manhã tropical se inicia

Resplandente, cadente, fagueira

Num calor girassol com alegria

Na geléia geral brasileira

Que o Jornal do Brasil anuncia.

(Gilberto Gil e Torquato Neto)

O poeta tropicalista Gilberto Gil, quando canta essa musica, nos lembra que o Brasil é uma geléia, uma geléia geral. Lima Barreto bate no ponto do nacionalismo extremado que os tropicalistas não se esqueceram de enfatizar, também com bastante ironia, diga-se de passagem. Em “Triste fim de Policarpo Quaresma” vimos as pessoas olharem a modinha de maneira pejorativa, embora Quaresma atentar a todos que tal gênero musical é muito importante, pois retratava eles mesmos.

Gil e Torquato falam de geléia geral, poderíamos fazer uma comparação com a salada também, propondo uma grande mistura de varias coisas. E a modinha que começou nas classes altas, foi para a popularidade como sendo o ritmo que trazia alegria para as pessoas dentro das contradições da geléia geral brasileira, embora as pessoas achem um absurdo e um ritmo de muito mau gosto. Vemos aí não só uma mistura formando a geléia, com as maneiras de sentir essa geléia muito marcadas pela mistura (também) de bem ou mal. Se pegarmos as obras de Gilberto Freire e Sergio Buarque de Holanda, sentimos muito bem isso.

Freire fala que existiu um regime patriarcal no Brasil em que, embora existisse uma distancia muito grande, a casa grande e a senzala viviam em cooperação formando uma harmonia, uma geléia que era muito boa para a sociedade (FREIRE, 1989). Sergio Buarque de Holanda, ao contrario de Gilberto Freire, vai falar que isso faz não é bom para o país (HOLANDA, 1936). E se pegarmos vários outros estudiosos veremos que a discussão é grande quanto a essa geléia e que já dura faz muito tempo e não foi nada resolvida.

Fica então a pergunta, cadê a base para o nacionalismo? É possível falar de nacionalismo com essa geléia geral? Será que é valido, considerando o que Schwars coloca sobre o assunto, falar de nação, um conceito tão moderno, europeizado e idealizado pelo iluminismo em face de um Brasil, país continental e marcado pelo escravismo? Às vezes é por isso que chamavam Quaresma de Louco, embora a nação não fosse negada?

A modinha está aí, concretamente ou através de suas influencias no samba e outros novos ritmos. E os poetas desfolham a bandeira e a manhã tropical se anuncia na geléia geral brasileira.

Bibliografia:

.FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 26. ed. São Paulo: Record, 1989.

.HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raizes do brasil. Rio de janeiro: J Olympio, 1936.

.SCHWARS, Roberto. “Nacional por substração” e “Complexo, moderno, nacional e negativo”, in R. Schwars, Que horas são?. São Paulo, Companhia das Letras.

.TINHORÃO, José Ramos. “A Modinha”, “O Lundu” e “ O Maxixe” in Pequena Historia da Musica Pupular (da modinha à canção de protesto), Editora Vozes, Petrópolis, 1974.

.BARRETO, Lima. Triste fim de Policapo Quaresma. São Paulo: Atelie Editorial, 2001

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